Antonio Navarro: Entre ruídos e silêncios
por Manuela Cristóvão
Antonio Navarro expõe no Museu da Cidade de Aveiro, no espaço de exposições temporárias, museu enquadrado num conceito de museu participativo, envolvendo a cidade e a sua história.
Aceitando o convite para expor nesta sala, Antonio Navarro apresenta um conjunto de obras que são o reflexo de lugares e de memórias, de paisagens poéticas a que atribui o título Fugaz.
Naturalmente Fugaz é uma palavra tão rápida de se dizer como é o instante que representa.
Criando a ilusão, encontra a representação, onde a expressão da natureza passo a passo marca percursos no olhar suspenso. Aqui os caminhos de uma percepção sensível complementam-se.
Imagens que se transformam em ilusão natural, entre espaço e lugar conduzindo o espectador à composição total da obra.
Composições que se situam no limbo de uma definição, entre a abstração e a figuração.
Esta série atravessa a tensão entre o conhecimento da natureza da paisagem e o conhecimento do homem no desejo do desbravamento dos limites impostos pela paisagem e pela auto-presença.
São verdadeiras vivencias entre a percepção direta da paisagem e a recriação na representação dos diferentes registos, afrontando o desconhecido que soube multiplicar, e metamorfosear.
É sob o deslumbramento da paisagem que reside uma dinâmica que procura a luz, questionando a observação do natural, reinventando de forma quase obsessiva e registando a emoção e o pensamento interior o que proporciona o re-inventar.
Nesta série é criada uma sistematização do tema, conferindo um carácter normativo com analogias próximas da paisagem, explorando correspondências e dinâmicas de transição coerente, entre o que está e o que vemos ou não vemos, entre o ser e o existir.
A paisagem é um suporte percepcionado, mas a realidade parece tentar sobrepor-se através do movimento de linhas e manchas de construções geométricas.
Não devemos esquecer que a paisagem se modifica com os diferentes pontos de vista que o viajar proporciona, campos de cor que se sobrepõem inundando a retina de cores. Paisagens inventadas a partir de silêncios.
Imagens que nos transportam até às estruturas de Mondrian, às emoções e sensações de Rothko ou às paisagens coloridas e em movimento de Richter.
Entre o geométrico colorido vivem os silêncios da ausência de cor.
Das sensações ópticas às tácteis, vive-se um rigor que nos transporta para mundos de sons contínuos como o do movimento do observador atento que se liga a memórias de viagens em constante movimento.
Paisagens, momentos, captados num lapso de tempo que desaparece na rapidez de um momento Fugaz. De imagens para imagens podemos sonhar procurando uma realidade que fez parte de muitos silêncios.
Sem pressa, percorre mundos agora presentes nestas paisagens, impressões digitais eternizadas, estruturas de urbanização em cidades apinhadas, construções regulares e repetidas, viadutos em diferentes planos, janelas, arquiteturas, campos, planícies, horizontes de terra ou de água, tecidos entrelaçados como trabalho paciente de tecelãs.
Movimentos do olhar seguindo horizontes.
Sensibilidade poética, poemas intensos transformados em imagens numa forma e dimensão que se espraia efémera. Pinturas digitais transformadas pelo movimento em imutáveis, sabiamente acordando memórias para transformar em sensações múltiplas.
A paisagem é o material essencial desta ação artística, ultrapassando o corpo e o modo de sentir, produzindo uma impressão física mas também mental de realidades diversas numa vontade de aperfeiçoamento geométrico e estético, resultado de continuados momentos de reflexão, confrontando-nos com a intemporalidade da ideia de viagem.
Consequência de uma momentânea ação ritual e performativa, registada pelo processo de fixação de experiências de diferentes momentos, em espaços de movimentos lineares, contínuos ou cruzados, como matéria que procura organizar frações do mundo.
Estas paisagens remetem-nos para a ideia de tempo e espaço em momentos de um tempo concretos. Um outro espaço e tempo concreto é também o do observador que contempla um determinado tempo, o resultado desses momentos fugazes agora transformados num outro espaço, em um outro onde e quando.
Paisagens que refletem memória e poesia, ruídos e silêncios.
Museu Cidade de Aveiro. De 31 de outubro a 6 de dezembro 2020.